sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Curva de crescimento em caprinos, da raça Mambrina, criados na caatinga

CARNEIRO, Paulo Luiz Souza; MALHADO, Carlos Henrique Mendes; AFFONSO, Paulo Roberto Antunes de Mello; PEREIRA, Derval Gomes; SUZART, José Carlos Caruso; RIBEIRO JÚNIOR,Milton; ROCHA, José Lindenberg

RESUMO
Objetivou-se, neste estudo, analisar modelos não lineares para descrever o crescimento em caprinos da raça Mambrina. Foram utilizados dados de 18 pesagens (mensais) de 45 animais do nascimento aos 540 dias de idade. Os
modelos não lineares utilizados foram: Brody, Von Bertalanffy, Richards, Logístico e Gompertz. Os modelos Logísticos Bertalanffy e Gompertz foram os que melhor se ajustaram aos dados, com pequena superioridade desse último.


O sexo não influenciou significativamente os parâmetros da curva. Os animais da raça Mambrina são de baixo peso à maturidade, principalmente as fêmeas, o que pode indicar, além do déficit nutricional, a adaptação desses animais às condições adversas da região. Para as condições especificas de criação, devem ser abatidas, no máximo, em 240 dias, visto que, a partir dessa idade, o crescimento é muito lento.

A correlação estimada entre os parâmetros A e k foi moderada e negativa (-0,68), indicando que os animais mais precoces possuem menores probabilidades de atingir pesos elevados à idade adulta.

INTRODUÇÃO
A região Nordeste possui 9,3 milhões de caprinos, o que corresponde a, aproximadamente, 93% do efetivo de rebanhos do Brasil (IBGE, 2006). A
importância econômico-social doscaprinos criados na nessa região reside
principalmente na produção de leite e de carne, para alimentação das populações de média e baixa renda (SILVA & ARAÚJO, 2000). Esses pequenos
ruminantes, em época de seca, passam a funcionar como a poupança do sertanejo, graças à sua fantástica adaptação às condições de extrema limitação de alimentos (ARRUDA & SUGAI, 1994).


A raça Mambrina foi introduzida no Brasil com o propósito de originar rebanhos de múltipla aptidão, além de se caracterizar por elevada rusticidade, aclimatou-se, sobretudo, às regiões agrestes, quentes e secas, como o Nordeste e Centro do Brasil, onde têm prosperado. Entretanto, são raras informações sobre o crescimento desses animais no país, principalmente, na caatinga. Curvas de crescimento podem ser utilizadas para descrever o desenvolvimento do animal ao longo do tempo e auxiliam no estabelecimento de programas alimentares e na definição da idade ótima de abate (OLIVEIRA et al., 2000). De acordo com Malhado et al. (2009), os modelos mais utilizados para descrever o crescimento dos animais são as funções Brody, Von Bertalanffy, Richards, Logistica e Gompertz. Vários estudos já foram realizados com ovinos no Brasil (MALHADO et al., 2009; MALHADO et al., 2008a; CARNEIRO et al., 2007; SARMENTO et al., 2006; LÔBO et al., 2006; GUEDES et al., 2004; MACMANUS et al., 2003), entretanto, o número de publicações com caprinos utilizando curvas de crescimento é muito reduzido (OLIVEIRA et al., 2009; MALHADO et al., 2008b; FREITAS, 2005).

De acordo com Freitas (2005), entre as várias aplicações das curvas de
crescimento na produção animal, destacam-se: resumir, em três ou quatro
parâmetros, as características de crescimento da população, pois alguns parâmetros dos modelos não lineares utilizados possuem interpretação biológica; avaliar o perfil de resposta de tratamento ao longo do tempo; estudar interações de respostas das subpopulações ou tratamentos com o tempo e identificar, em uma população, os animais mais pesados e os mais jovens. Kaps et al. (2000) e Arango & Van Vleck (2002) ressaltaram que é necessário considerar características de crescimento e maturidade derivadas do estudo de curvas de crescimento, como informação adicional em programas de melhoramento genético.

Dessa forma, tornou-se objetivo deste estudo analisar modelos não lineares para
descrever o desenvolvimento e calcular a taxa de crescimento absoluto em caprinos da raça Mambrina criados na caatinga.

MATERIAL E MÉTODOS
O rebanho avaliado foi formado por 45 caprinos da raça Mambrina e criados na
caatinga, na estação experimental de Caraíba localizada na pertencente a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), suplementados com mistura mineral e palma (Opundia fícus indica) no período mais seco do ano. Essa estação está inserida em uma das regiões mais áridas da Bahia, no município de Uauá, com pluviosidade média de 400 a 500 ml anuais.

Foram ajustados os modelos Brody, Von Bertalanffy, Richards, Logístico e
Gompertz (Tabela 1) para estimar o crescimento do animal e os parâmetros da
curva. Y é o peso corporal à idade t; A, o peso assintótico (este parâmetro é
interpretado como peso à idade adulta); B, uma constante de integração, relacionada aos pesos iniciais do animal. O valor de B é estabelecido pelos valores iniciais de Y e t; k é interpretado como taxa de maturação, que deve ser entendida como a mudança de peso em relação ao peso à maturidade, ou seja, como indicador da velocidade com que o animal se aproxima do seu tamanho adulto; e m é o parâmetro que dá forma à curva e, consequentemente, determina em que proporção do valor assintótico (A) ocorre o ponto de inflexão da curva.


No caso dos modelos não-lineares, não é possível resolver o sistema de equações formado diretamente, como ocorre no caso linear, uma vez que a
resolução do sistema é dependente dos próprios parâmetros a serem estimados.


Dessa forma, usa-se um processo iterativo para obtenção das estimativas dos parâmetros, o qual começa com valores iniciais, atribuídos aos próprios parâmetros a serem estimados. Calculase, então, a soma de quadrado do erro e,
a cada passo, obtém-se um conjunto de estimativas atualizadas até o procedimento convergir para um vetor final de estimativas, para alcançar a soma mínima de quadrados do erro (SARMENTO et al. 2006). Os parâmetros dos modelos foram estimados pelo método de Gauss Newton, modificado por meio do procedimento NLIN do SAS (2001). O critério de convergência adotado foi 10-8.


Os critérios utilizados para selecionar o modelo que melhor descreveu a curva de crescimento foram: 1) quadrado médio do resíduo (QMR) – calculado dividindo-se a soma de quadrados do resíduo, pelo número de observações, que
é o estimador de máxima verossimilhança da variância residual, para que se pudesse comparar o QMR dos diferentes modelos, pelo fato de possuírem números diferentes de parâmetros a serem estimados; 2) coeficiente de determinação (R2) – calculado como o quadrado da correlação entre os pesos observados e estimados, por meio de uma análise de regressão linear, considerou o peso predito pelo modelo como variável dependente e o peso observado do animal como variável independente; 3) o percentual de convergência (C%) – considerou a existência ou não de convergência; 4) análise gráfica dos modelos com o peso médio observado; 5) desvio médio absoluto dos resíduos (DMA), estatística proposta por Sarmento et al. (2006) para avaliar a qualidade de ajuste, calculado como:

Em que Yi é o valor observado, Yi o valor estimado e n o tamanho da amostra. Quanto menor o valor do DMA, melhor o ajuste.


Depois de selecionado o modelo, calculou-se a taxa de crescimento absoluta (TCA), obtida a partir da primeira derivada do modelo ajustado, em relação ao tempo ( ¶Y / ¶t ). A TCA é, na realidade, o ganho de peso obtido por unidade de tempo. Como, nesse caso o tempo está em dia, representa o ganho de peso médio diário, estimado ao longo da trajetória de crescimento, ou seja, a taxa média de crescimento dos animais dentro da população.


Na etapa seguinte, foi avaliada a influência do sexo (macho e fêmea) sobre os parâmetros da curva do modelo selecionado, mediante o procedimento GLM do software SAS (2001). As correlações de Pearson entre os parâmetros foram estimadas pelo procedimento CORR do software SAS (2001).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Silva & Araújo (2000) ao avaliarem características produtivas de caprinos mestiços submetidos às condições climáticas do Semiárido Nordestino, em
pasto nativo, no período seco, e suplementados com milho e farelo de soja, observaram que as médias de peso das crias ao nascer, aos 28, 56 e 84 dias
de idade, foram respectivamente 2,26; 4,02; 6,93; e 10,97 kg, para ½ Pardo Alpina + ½ Moxotó, 2,46; 4,32; 7,85 kg; e 12,18 kg, para ¾ Pardo Alpina + Moxotó, e 2,46; 4,30; 7,48; e 11,86 kg, para ½ Anglo Nubiana + ¼Pardo Alpina
+ ¼ Moxotó. Os animais da raça Mambrina deste estudo nasceram mais pesados. Entretanto, o peso aos 84 dias, de todos os grupos genéticos analisados por Silva & Araújo (2000), foram ligeiramente superiores ao peso aos 90 dias, o que pode ser devido não somente às diferenças genéticas, mas, também, à suplementação com concentrado (Tabela 2).


Araújo Filho et al. (2002), ao avaliarem o desempenho de ovinos da raça Morada Nova em áreas de caatinga raleada em diferentes taxas de lotação, observaram médias de pesos ao nascimento e ao desmame (112 dias após nascimento) de 2,3; 2,3; 2,2 e 8,5; 10,8; 11,2 para as taxas de lotação de 0,4; 0,6 e 0,8 ha/cab, respectivamente.


Quando comparados a ovinos da raça Morada Nova criados na caatinga, os
caprinos da raça Mambrina, do atual estudo, apresentaram desempenho
bastante semelhante.


O desempenho dos caprinos da raça Mambrina na caatinga é inferior quando
comparado a ovinos cruzados em pastagem natural com suplementação mineral, conforme os relatos de Carneiro et al. (2007), em que as médias de peso aos 90 dias de produtos cruzados Dorper x Morada Nova, Dorper x Rabo Largo e Dorper x Santa Inês foram, respectivamente, 13,51; 14,51 e 17,8 Kg.


As estimativas dos parâmetros para cada modelo e os critérios utilizados para avaliar os modelos que melhor se ajustaram às curvas de crescimento são
apresentados na Tabela 3.


O parâmetro A apresenta uma estimativa do peso assintótico, que é interpretado como o peso adulto. Esse peso não é o máximo que o animal atinge, e sim o peso médio à maturidade, livre das variações sazonais (BROWN et al., 1976).

Existem controvérsias sobre o peso adulto ótimo, o qual depende da espécie, raça, seleção praticada previamente, do sistema de manejo e das condições climáticas.


Quando se comparam as estimativas dos pesos (A), obtidas pelos cinco modelos,
pode-se verificar que o maior valor foi o do Richards (34,5), seguido pelos
modelos Bertalanffy (32,9), Brody (32,2), Gompertz (31,4) e Logístico (30,6).

Outro parâmetro importante é o k, que representa a taxa de maturidade do animal, e indica a velocidade de crescimento para atingir o peso assintótico.

Animais com altos valores de k são mais precoces, em comparação com aqueles de valores menores.

Devido à pequena variação, no peso ao nascimento, observada no estudo, os
valores de k representaram bem a velocidade com que os animais cresceram. Segundo Oliveira et al. (2000) para pesos iniciais similares, os valores de k representam, de forma adequada, as variações na velocidade relativa com que os animais crescem.

Na estimativa do parâmetro k, pôde-se perceber que a estimativa do modelo
Richards (0,210) foi superior à dos modelos Logístico (0,014), Gompertz (0,012), Bertalanffy (0,010) e Brody (0,007).


Com base no coeficiente de determinação (R2) (Tabela 3), observase que todos os modelos tiveram bons ajustes, com valores entre 96,5 e 98,2%.

Ao analisar o quadrado médio do resíduo (QMR), pôde-se constatar maior resíduo para os modelos Brody e Richards, em relação aos três outros
modelos.


O percentual de convergência dos modelos Gompertz, Logístico e Von Bertalanffy foram semelhantes (100%) e superiores aos modelos Brody e Richards (87,5%). Souza & Bianchini Sobrinho (1994) mostraram que, quanto
maior o número de convergências  individuais em relação ao total de animais, melhor é o modelo.

Dificuldades de convergência com o modelo Richards foram relatadas por
Braccini Neto et al. (1996) e Sarmento et al. (2006), e evidenciaram que, apesar
da maior flexibilidade, por não fixar o ponto de inflexão, esse modelo apresenta maiores dificuldades no processo iterativo em seu ajustamento.


De acordo com o coeficiente de determinação, quadrado médio do resíduo, percentual de convergência e desvio médio absoluto os modelos Gompertz, Bertalanffy e Logístico apresentaram bons ajustes, contudo, o modelo Logístico apresentou pequena superioridade em relação aos outros dois (Figura 2).


Na literatura foram poucos os trabalhos encontrados sobre estudos da curva de
crescimento de caprinos. Entretanto, Freitas (2005), ao comparar vários modelos não-lineares, concluiu que os modelos Brody, Logístico e Von Bertalanffy foram adequados para ajustar dados de crescimento de caprinos da raça Moxotó.


O valor assintótico dos machos (34,99±16,96 kg) foi 31% superior ao das fêmeas (26,72 ± 9,56kg). Apesar da diferença no peso, a maturidade (A) nos
dois sexos não é estatisticamente significativa (p=0,06), provavelmente, devido à alta variabilidade do parâmetro A nos machos. Na estimativa do parâmetro k pôde-se perceber que a estimativa dos machos (0,013±0,010) foi inferior à das fêmeas (0,015±0,008), contudo, a diferença também não foi significativa (p=0,07).

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Figura 1. Estimativa do peso em função da idade, obtidos pelos modelos Von Bertalanffy, Gompertez e Logístico (A), Richards e Brody (B) em caprinos da raça Mambrina criados na caatinga

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Figura 2. Estimativa do peso em função da idade, obtidos pelo modelo Logístico em caprinos machos (M) e fêmeas (F) da raça Mambrina criados na caatinga

As taxas de crescimentos absolutos (TCA) foram obtidas pela primeira derivada do modelo Logístico em função do tempo (Figura 3). As TCAs foram crescentes até atingirem os máximos, aproximadamente 146 (88 dias) e 127 (72 dias)gramas por dia, para os machos e fêmeas, respectivamente. Nessa fase, a taxa de crescimento foi elevada e positiva, e chegou ao máximo no ponto de inflexão
da curva. O ponto de inflexão, ou seja, o ponto em que a função muda de
crescente para decrescente, foi de 100 e 83 dias de idade, para machos e fêmeas, respectivamente, com pesos de 15,1 e 9,9 kg, respectivamente.

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A partir do ponto de inflexão, a taxa de crescimento começa a diminuir em virtude de uma série de fatores que inibem progressivamente o crescimento, embora o animal não deixe de crescer (CRAPLET, 1966).


As maiores TCAs foram verificadas no período pré-desmame, época em que o
cabrito é dependente, principalmente, da produção de leite da matriz. A partir do
ponto de inflexão, a TCA teve uma acentuada queda, com ganhos no final do período muito pequenos, mais ainda após os 240 dias de idade. Nessa idade,
machos e fêmeas atingem 88 e 92% do peso adulto. Essa informação é importante para auxiliar os produtores em programas alimentares, reprodutivos e na definição da idade ao abate com melhor custo-benefício.


Sarmento et al (2006) frisaram que o decréscimo da TCA pode ser resultado de manejo inadequado para acompanhar a maior demanda de nutriente, à medida
que o animal cresce. Os resultados do atual estudo podem ser explicados pelo
déficit nutricional dos animais da raça Mambrina, principalmente após o desmame, e podem indicar adaptação desses caprinos ao Semiárido.

A correlação estimada entre os parâmetros A e k foi significativa (P<0,05) e igual a -0,68, corroborando os resultados de McManus et al. (2003) e Sarmento et al. (2006) com ovinos.


McManus et al. (2003) salientam que a relação biológica mais importante para
uma curva está entre os parâmetros A e k. A correlação negativa existente entre
esses parâmetros indica que, os animais que apresentam maiores taxas de crescimento têm menor probabilidade de atingir maiores pesos à maturidade,
do que aqueles que crescem mais lentamente no início da vida.


Neste estudo, constatou-se que o modelo logístico apresentou melhor ajuste na descrição da curva de crescimento. Observou-se acentuado decréscimo da taxa de crescimento absoluto na fase pós-desmama, e estratégias nutricionais devem ser implantadas, com o objetivo de amenizar o pequeno ganho de peso nessa fase. Os animais da raça Mambrina são de baixo peso à maturidade, principalmente as fêmeas, o que pode indicar, além do déficit nutricional, a adaptação desses animais às condições adversas da região. Para as condições especificas de criação, os animais devem ser abatidos com aproximadamente 240 dias de idade, visto que, a partir dessa idade, o crescimento é muito lento.

(Texto Completo www.rbspa.ufba.br/index.php/rbspa/article/download/1241/863)

Rev. Bras. Saúde Prod. An., v.10, n.3, p 536-545 jul/set, 2009 http://www.rbspa.ufba.br
ISSN 1519 9940

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